24 de setembro de 2013

Diário do Avoante - O meu manifesto

por Nelson Mattos Filho, velejador cruzeirista que mora a bordo do veleiro Avoante a 5 ano, sempre velejando pela costa do Brasil, do Blog: http://diariodoavoante.wordpress.com

04 de Agosto de 2013: O meu manifesto


Recentemente postei aqui a notícia sobre uma proposta parlamentar de incluir as embarcações e aeronaves na cobrança do IPVA, click e veja. O post mereceu vários comentários, contra e a favor, e por isso resolvi escrever o texto abaixo sobre o assunto e que foi publicado na coluna Diário do Avoante, que escrevo semanalmente para o Jornal Tribuna do Norte, tendo como base o livro A Saga do Barcaceiro, do navegador alagoano José Fernando Maya Pedrosa.

Pra tudo precisa sorte/Até pra andar no mar/Onde as águas balançam/Eu queria morar/Pra tudo precisa sorte/Até pra navegar. (do cancioneiro das barcaças).

Há três classes de homens, os vivos, os mortos e os que estão sobre o mar. (Anacasis de Rodes. VI AC).

Chegou à vez do meu manifesto, mas antes quero navegar pelo mar da sensatez e pela riqueza dos livros.

No livro A Saga do Barcaceiro, lançado em 1994, o autor José Fernando Maya Pedrosa faz mais do que uma denúncia, quando diz que ao iniciar sua pesquisa notou a carência de fontes escritas, porque as pessoas frequentemente não valorizam o documento para os estudos do passado e deixam que os elementos da natureza os destruam, quando não o queimam como papel imprestável. Para o autor: “Os armadores, exportadores e construtores não guardam quase nada. Os marinheiros, por sua vez, guardam apenas uma ou outra foto e alguns documentos trabalhistas. E as repartições públicas somente se sentem obrigadas a preservar documentos de valor administrativos mais recentes”. O descaso com a história é sem tamanho.

Na busca por informações, o autor diz ter mergulhado a fundo nas conversas de pé de orelha com antigos mestres, marinheiros, construtores e armadores, mesmo sabendo da limitação da tradição oral, porque essas raramente podem ser confirmadas, mas não imprescindíveis e de grande valor para a reconstrução dos fatos. Muitas vezes sua busca levava aos caminhos estreitos dos cemitérios apenas para comprovar que alguns registros estavam guardados para sempre.

José Fernando cita o livro “A Bahia e seus Saveiros – Uma tradição que desapareceu”, de Theodor Selling Jr, que concluí assim: “Poucos brasileiros cuidam do estudo de nossas embarcações regionais, e estrangeiras ainda menos”. O autor de a Saga do Barcaceiro louva ainda o maior dos mestres da cultura popular Luiz da Câmara Cascudo escrevendo assim: “Pena não tenha havido um pesquisador tipo Câmara Cascudo, autor de “Jangadeiros”, editado pelo Ministério da Cultura em 1957, para registrar a vida barcaceira em seu próprio tempo”. 

O autor diz mais: “Que seria muito interessante que os folhetos turísticos e as histórias para os guias fossem enriquecidas com episódios dos barcaceiros, seu senso de humor, seus vícios e crenças, sua forma de vida, suas cantigas”.

Na Saga do Barcaceiro, José Fernando Maya Pedrosa fala das barcaças das Alagoas, mas sua obra é um marco que jamais podemos deixar que se perca nos escaninhos da história ou nas águas levadas pelo tempo. Autores como José Fernando Pedrosa, Câmara Cascudo, Theodor Selling e tantos outros espalhados por esse Brasil, deveriam ser lidos e pesquisados por todos aqueles parlamentares que assinaram embaixo para a criação da PEC 140/2012 e 283/1013, que tratam da cobrança de IPVA para embarcações e aeronaves. Muitos desses parlamentares nem ao menos sabem como funciona e quais as dificuldades daqueles que utilizam os caminhos do mar.

Sugerir a inclusão das embarcações na cobrança do IPVA, um imposto diverso e sem objetivo lógico, haja vista o descaso e a bandalheira que são as ruas, avenidas e estradas do nosso país, é desconhecer totalmente o que é o mar. Usar como argumento, para validar a Proposta de Emenda Constitucional, uma socialização mais justa do imposto é de uma desfaçatez e uma falácia sem tamanho.

Aconselho a todos aqueles parlamentares que assinaram a proposta, que recorram aos livros ou façam uma caminhada despretensiosa por uma beira de praia qualquer, um clube náutico ou mesmo uma marina privada, já que dificilmente eles encontraram marinas públicas em nosso país, apenas para um breve bate papo sobre as dificuldades do mundo náutico.

Senhores, não usem os seus mandatos para a banalização das propostas ou simplesmente por acharem que podem legislar por achismo. Precisamos sim de propostas sérias e que venham melhorar a vida das pessoas. Se querem mesmo socializar o justo, comecem pelos salários estratosféricos que recebem, igualando-os aos valores recebidos pela grande maioria da população.

Leiam José Fernando Pedrosa, Câmara Cascudo, Theodor Selling, naveguem pelos caminhos do mar e vejam que a náutica é feita de dificuldades aliada a uma total falta de incentivos. Se os senhores estão olhando apenas para as grandes e luxuosas embarcações, com certeza estão totalmente fora do rumo.

Nelson Mattos Filho/Velejador

2 comentários:

  1. Aos Parlamentares que assinaram a proposta sem ao menos conhecer o assunto, sugiro que, além da leitura das excelentes publicações citadas, que façam uma análise sobre os benefícios socioambientais de pequenas embarcações, principalmente veleiros, que com quase nenhum impacto ambiental, ajudam a desenvolver comunidades locais em todo o Brasil, auxiliando na geração de renda local, e evitando bravamente que muitos caiçaras e comerciantes locais sejam empurrados para a miséria nas grandes metrópoles. A náutica de recreio deveria ser estimulada, como acontece em tantos países mais desenvolvidos que enxergam na náutica recreativa um braço importantíssimo do turismo de baixo impacto ambiental, e como força de renda e recursos para as populações locais.

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    1. Thelma, obrigado pela leitura e pelo comentário. A propósito, fantástico o seu comentário, podemos usa-lo neste BLOG e na luta contra o IPVA assinando o texto com seu nome completo? Obrigado!! Fernando

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