por Nelson Mattos Filho, velejador cruzeirista que mora a bordo do veleiro Avoante a 5 ano, sempre velejando pela costa do Brasil, do Blog:
http://diariodoavoante.wordpress.com
04 de Agosto de 2013:
O meu manifesto
Recentemente postei aqui a notícia sobre uma proposta parlamentar de incluir as embarcações e aeronaves na cobrança do IPVA, click e veja. O post mereceu vários comentários, contra e a favor, e por isso resolvi escrever o texto abaixo sobre o assunto e que foi publicado na coluna Diário do Avoante, que escrevo semanalmente para o Jornal Tribuna do Norte, tendo como base o livro A Saga do Barcaceiro, do navegador alagoano José Fernando Maya Pedrosa.
Pra
tudo precisa sorte/Até pra andar no mar/Onde as águas balançam/Eu queria
morar/Pra tudo precisa sorte/Até pra navegar. (do cancioneiro das barcaças).
Há três classes de homens, os vivos, os mortos
e os que estão sobre o mar. (Anacasis de Rodes. VI AC).
Chegou à vez do
meu manifesto, mas antes quero navegar pelo mar da sensatez e pela riqueza dos
livros.
No livro A
Saga do Barcaceiro, lançado em 1994, o autor José Fernando Maya Pedrosa faz mais do que uma denúncia, quando diz
que ao iniciar sua pesquisa notou a carência de fontes escritas, porque as
pessoas frequentemente não valorizam o documento para os estudos do passado e
deixam que os elementos da natureza os destruam, quando não o queimam como
papel imprestável. Para o autor: “Os armadores, exportadores e construtores não
guardam quase nada. Os marinheiros, por sua vez, guardam apenas uma ou outra
foto e alguns documentos trabalhistas. E as repartições públicas somente se
sentem obrigadas a preservar documentos de valor administrativos mais recentes”.
O descaso com a história é sem tamanho.
Na busca por
informações, o autor diz ter mergulhado a fundo nas conversas de pé de orelha
com antigos mestres, marinheiros, construtores e armadores, mesmo sabendo da
limitação da tradição oral, porque essas raramente podem ser confirmadas, mas
não imprescindíveis e de grande valor para a reconstrução dos fatos. Muitas
vezes sua busca levava aos caminhos estreitos dos cemitérios apenas para comprovar
que alguns registros estavam guardados para sempre.
José
Fernando cita o livro “A Bahia e seus Saveiros – Uma tradição que desapareceu”,
de Theodor Selling Jr, que concluí assim: “Poucos brasileiros cuidam do estudo
de nossas embarcações regionais, e estrangeiras ainda menos”. O autor de a Saga
do Barcaceiro louva ainda o maior dos mestres da cultura popular Luiz da Câmara
Cascudo escrevendo assim: “Pena não tenha havido um pesquisador tipo Câmara
Cascudo, autor de “Jangadeiros”, editado pelo Ministério da Cultura em 1957,
para registrar a vida barcaceira em seu próprio tempo”.
O
autor diz mais: “Que seria muito interessante que os folhetos turísticos e as
histórias para os guias fossem enriquecidas com episódios dos barcaceiros, seu
senso de humor, seus vícios e crenças, sua forma de vida, suas cantigas”.
Na
Saga do Barcaceiro, José Fernando Maya Pedrosa fala das barcaças das Alagoas,
mas sua obra é um marco que jamais podemos deixar que se perca nos escaninhos
da história ou nas águas levadas pelo tempo. Autores como José Fernando Pedrosa,
Câmara Cascudo, Theodor Selling e tantos outros espalhados por esse Brasil,
deveriam ser lidos e pesquisados por todos aqueles parlamentares que assinaram
embaixo para a criação da PEC 140/2012 e 283/1013, que tratam da cobrança de
IPVA para embarcações e aeronaves. Muitos desses parlamentares nem ao menos
sabem como funciona e quais as dificuldades daqueles que utilizam os caminhos do
mar.
Sugerir
a inclusão das embarcações na cobrança do IPVA, um imposto diverso e sem
objetivo lógico, haja vista o descaso e a bandalheira que são as ruas, avenidas
e estradas do nosso país, é desconhecer totalmente o que é o mar. Usar como
argumento, para validar a Proposta de Emenda Constitucional, uma socialização mais
justa do imposto é de uma desfaçatez e uma falácia sem tamanho.
Aconselho a todos aqueles parlamentares que
assinaram a proposta, que recorram aos livros ou façam uma caminhada
despretensiosa por uma beira de praia qualquer, um clube náutico ou mesmo uma
marina privada, já que dificilmente eles encontraram marinas públicas em nosso
país, apenas para um breve bate papo sobre as dificuldades do mundo náutico.
Senhores,
não usem os seus mandatos para a banalização das propostas ou simplesmente por
acharem que podem legislar por achismo. Precisamos sim de propostas sérias e
que venham melhorar a vida das pessoas. Se querem mesmo socializar o justo,
comecem pelos salários estratosféricos que recebem, igualando-os aos valores
recebidos pela grande maioria da população.
Leiam
José Fernando Pedrosa, Câmara Cascudo, Theodor Selling, naveguem pelos caminhos
do mar e vejam que a náutica é feita de dificuldades aliada a uma total falta
de incentivos. Se os senhores estão olhando apenas para as grandes e luxuosas
embarcações, com certeza estão totalmente fora do rumo.
Nelson Mattos Filho/Velejador